Escola Castelo Branco - 2016
A biorremediação pode ser eficaz no rio Doce?
Procedimento que utiliza organismos naturalmente existentes
para degradar substâncias tóxicas seria insuficiente diante de tragédia
ambiental, diz especialista na seção O leitor pergunta da CH 333.
Por: Jean Remy Davee Guimarães
Publicado em 10/03/2016
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Atualizado em 10/03/2016
Vista parcial do rio Doce na cidade mineira de Governador
Valadares. Segundo informações preliminares, pH da lama que contaminou o
rio é extremamente alcalino. (foto: Wikimedia CC BY 3.0)
Segundo a EPA, a Agência de Proteção Ambiental norte-americana, a
biorremediação designa tratamentos que usam organismos naturalmente
existentes no ambiente para degradar substâncias tóxicas em substâncias
não tóxicas ou menos tóxicas. Parece muito virtuoso e esperto; mas, se
uma indústria libera toneladas de rejeitos tóxicos no ambiente, poderá
não fazer absolutamente nada e argumentar que está fazendo um tratamento
de biorremediação, isto é, permitindo que as bactérias naturalmente
presentes no ambiente degradem o rejeito em questão. O processo poderá
levar séculos e não degradar mais que uma fração do rejeito, ou,
inclusive, transformar o rejeito em algo mais tóxico do que era
originalmente, dependendo do tipo e da forma química dos poluentes
presentes no rejeito.
Uma opção menos preguiçosa, barata e conveniente seria, por exemplo,
isolar bactérias resistentes aos poluentes, que sejam também capazes de
degradá-los, cultivá-las e reintroduzi-las no ambiente contaminado,
na esperança de que se comportem, naquele ambiente, do mesmo modo que no
laboratório, o que nem sempre é o caso. Mas, sendo o caso ou não, é
sempre positivo para a imagem das empresas poluidoras: afinal, estão
tentando fazer algo e ainda usando técnicas ‘ecológicas’.
Plantas terrestres e aquáticas – como o aguapé
– também podem ser úteis na biorremediação, extraindo metais e outros
poluentes do solo ou da água. Isso, no entanto, só muda o problema de
lugar, e resta decidir o que fazer com o aguapé contaminado: não pode
ser consumido ou enterrado. Se contiver apenas metais como poluentes,
pode ser queimado, mas as cinzas resultantes deverão ser segregadas
para evitar que os metais em questão voltem a circular pela biosfera.
Convém lembrar o ensinamento do químico francês Antoine de Lavoisier: a
matéria não se cria nem se perde, só muda de lugar e de estado
físico-químico.
O aguapé poderá talvez ajudar a melhorar algo da
qualidade da água do rio, mas será absolutamente inútil para remover, e
muito menos detoxificar, os 60 milhões de toneladas de rejeito sólido
que a catástrofe despejou no rio Doce
No caso especifico da catástrofe ambiental do rio Doce,
o volume de rejeitos que vazou equivale a um cubo de 391 m de lado.
Informações preliminares indicam que o pH (grau de acidez) da lama seria
13; portanto, extremamente alcalino. Isso ilustra bem uma das
limitações da biorremediação: não só é muito lenta e incerta como também
só pode ser empregada se o material a biorremediar tem condições
mínimas de abrigar alguma forma de vida – o que é duvidoso no caso dos
rejeitos de mineração que praticamente colmataram a calha do rio Doce.
O aguapé poderá talvez ajudar a melhorar algo da qualidade da água do
rio, mas será absolutamente inútil para remover, e muito menos
detoxificar, os 60 milhões de toneladas de rejeito sólido que a
catástrofe despejou no rio Doce e que, por sua quantidade e espessura,
ficarão inacessíveis a plantas e outros organismos por tempos que podem
ser geológicos de tão longos. Para a sociedade como um todo, prevenir é
sempre mais vantajoso do que remediar. Para as empresas de mineração,
nem sempre.
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Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Ciências hoje
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