Escola Castelo Branco - 2017
O lado bom de não saber – Texto de Mario
Sergio Cortella (Fonte: Livro “Qual é a tua Obra” – Editora
Vozes)
Reconhecer o desconhecimento sobre certas coisas é sinal de
inteligência e um passo decisivo para a mudança
Uma das coisas mais inteligentes que um homem e uma mulher podem
saber é Saber que não sabem. Aliás, só é possível caminhar em
direção à excelência se você souber que não sabe algumas
coisas. Porque há pessoas que, em vez de ter humildade para saber
que não sabem, fingem que sabem. Pior do que não saber é fingir
que sabe. Quando você finge que sabe, impede um planejamento
adequado, impede uma ação coletiva eficaz. Por isso, a expressão
“não sei” é um sinal de absoluta inteligência.
Essa é uma regra básica da vida: quando você está no fundo do
poço, a primeira coisa que precisa para sair de lá é parar de
cavar. E a pá que continua cavando é, ao não saber, fingir que
sei. Fingir para quem? Não existe autoengano. Isso significa que
quando alguém diz “não sei”, é um sinal de inteligência.
Aliás, a pessoa humilde é capaz de ter dúvida, e isso é motor de
mudança. Cuidado com gente que não tem dúvida; Gente que não tem
dúvida não é capaz de inovar, de reinventar, não é capaz de
fazer de outro modo. Gente que não tem dúvida só é capaz de
repetir. Cuidado com gente cheia de certeza. Num mundo de velocidade
e mudança, imagine se você ou eu somos cheios de certeza a
dificuldade que isso nos carrega. Claro, você não pode ser alguém
que só tem dúvida, mas não tê-las é sinal de tolice. “Será
que estou fazendo do melhor modo? Da maneira mais correta? Será que
estou fazendo aquilo que deve e pode ser feito?”
Só seres que arriscam erram. Não confunda erro com negligência,
desatenção e descuido. Ser capaz de arriscar é uma das coisas mais
inteligentes para mudar. Você não tem de temer o erro. Tem que
temer a negligência, a desatenção e o descuido. Erro é para ser
corrigido, não para ser punido. O que se pune é negligência,
desatenção e descuido. Quem inventou a lâmpada elétrica de
corrente contínua foi Thomas Edison, sabemos. O que nem sempre se
tem ideia é que ele fez 1430 experiências antes de chegar à
lâmpada que deram errado. Ele inclusive registrou: inventei 1430
modos de não fazer a lâmpada. Porque é muito importante também
saber o que não fazer. Ele aprendeu que o fracasso não acontece
quando se erra, mas quando se desiste face ao erro.
Nenhum e nenhuma de nós é capaz de fazer tudo certo o tempo todo
de todos os modos. Por isso, você só conhece alguém quando sabe
que ele erra, e quando ele erra e não desiste. E dizem: ah, é por
isso que a gente aprende com os erros? Não, a gente não aprende com
os erros. A gente aprende com a correção dos erros. Se a gente
aprendesse com os erros, o melhor método pedagógico seria errar
bastante. (É bom lembrar que todo cogumelo é comestível. Alguns
apenas uma vez.)
Num mundo competitivo, para caminhar para a excelência é preciso
fazer o melhor, no lugar de, vez ou outra, contentar-se com o
possível. E isso exige humildade e exige que coloquemos em dúvida
as práticas que já tínhamos. Porque se as práticas que tínhamos
e temos no dia a dia fossem suficientes, estaríamos melhores.
Para ser capaz de uma mudança cada vez mais significativa e
positiva é necessário ter humildade. Só quem acha que já sabe
acaba caindo na armadilha perigosa que é não dar passos adiante.
De onde vem a palavra “humildade”? De húmus, que é terra
fértil e, na origem, significa o “solo sob nós”. Em outras
palavras, húmus é o nível em que nós estamos. A palavra
“humildade” é a mesma da origem húmus, da qual deriva a palavra
“humano”. Cada homem e cada mulher tem o mesmo nível de
dignidade, de possibilidade de ação. No Livro do Gênesis, os
hebreus registraram frase atribuída a Javé quando expulsou o casal
primordial repreendeu Adão: “No suor do teu rosto comerás o pão,
até voltares ao solo, pois dele foste retirado. Sim, és pó e ao pó
voltarás” (Gn 3,19): “Do pó viemos, ao pó voltaremos”. Isso
significa que estamos todos no mesmo nível. Humildade, humano, húmus
– estamos no mesmo nível em relação à nossa dignidade. Existem
pessoas que não têm essa percepção, elas não conseguem
aproveitar as oportunidades porque não têm humildade.
Qual o contrário de humildade? Arrogância. Gente arrogante é
gente que acha que já sabe, acha que não precisa aprender, que
costuma dizer: “Há dois modos de fazer as coisas, o meu ou o
errado. Escolha você”.
Gente arrogante não ouve discordância e não consegue crescer.
Nós somos um animal arrogante. Há pessoas que se recusam à
mudança porque acham que já estão prontas. “Pode deixar, eu sei
o que eu faço”, dizem com relativa frequência. Uma das fases mais
perigosas da vida de nossos filhos é quando eles têm 15 anos, 16
anos, porque se acham invulneráveis, que nada vai acontecer a eles.
Ficam arrogantes em excesso. “Cuidado, filho.” Ele responde:
“Pai, pode deixar, eu sei o que eu faço”. Ou “Filha, olha lá”.
A resposta: “Pode deixar, isso nunca aconteceu”. E aquele que se
considera invulnerável, ele pode se arriscar e se machucar, pois
essa arrogância é típica da idade. É perigosíssima!
Arrogância é um perigo porque ela altera inclusive a nossa
capacidade de aprender com o outro, de entrar em sintonia. Bons
músicos não fazem uma boa orquestra a menos que eles tenham
sintonia. E essa sintonia vem quando as pessoas respeitam a atividade
que o outro faz e querem atuar de forma integrada. Se há uma coisa
que liquida uma orquestra é arrogância.
Porque com empresas seria diferente?